Acercamientos
Entre a idéia e a experiência
A Décima Segunda Bienal de Havana, ocorrida entre 22 de maio e 22 de junho de 2015, ocupou muitos lugares tradicionais de Havana, como o Malecón e a Fortaleza de la Cabaña.
O tema “Entre a ideia e a experiência” teve como elemento norteador a influência do espaço público e da comunidade sobre o processo criativo dos artistas. O resultado foi uma epifania coletiva a céu aberto, em meio a intervenções urbanas propostas por artistas das mais variadas nações.
Entre os artistas cubanos, destacaram-se as abordagens de caráter geopolítico, em torno da reabertura da ilha e a reconciliação diplomática com os Estados Unidos, como de fato veio a se consumar logo ao fim do evento.
A Cidade das Colunas
Conhecer a capital cubana durante a Bienal de Artes de 2015 foi uma oportunidade única para ampliar minhas noções históricas sobre questões relativas ao continente latino-americano.
Impregnada de História por todas as esquinas, Havana é uma cidade mágica, uma espécie de portal para diferentes épocas, onde a herança colonial espanhola se mistura com as dinâmicas secretas da Guerra Fria, os rigores do regime socialista, os vestígios glamourosos dos extintos cassinos e a força da afro-latinidade pulsando pelas ruas.
Tudo isso misturado a um momento presente altamente cosmopolita, genuinamente revolucionário e encantadoramente acolhedor. Posso dizer sem dúvidas que, em Cuba, me senti pertencente à América Latina com uma intensidade muito além do esperado.
Guanabacoa
Guanabacoa é um dos vilarejos mais antigos de Havana, tornando-se refúgio dos povos nativos da etnia Taíno, até sua trágica extinção, ainda nos tempos coloniais. Posteriormente, o bairro acolheu as populações de origem africana, com suas tradições mágicas Banto, Calabare, Lucumi, Dahomey, entre tantas outras.
Dessa forma, o local escolhido para nossa exposição coletiva foi marcado pelo contato com ancestralidades profundas, como se a nós tivesse sido revelado o DNA cultural do povo cubano.
Guanabacoa nunca havia sediado uma exposição da Bienal anteriormente, o que colaborou para sermos recebidos com grande festa pelos grupos artísticos locais, especialmente pelos núcleos de tradição afro-cubana, como o Ifá, a Regla de Ocha, o Palo Mayombe e os Abakua. De modo que chegamos na Ilha e imediatamente usufruímos da fonte primeira de sua musicalidade e cosmogonia.
Acercamientos
O Museu Municipal de Guanabacoa, também conhecido como Museu dos Orishas, é um dos principais atrativos turísticos da cidade, localizado em um casarão datado de 1831, com um ótimo acervo de arte sacra e indumentárias ligadas às tradições da Santeria cubana.
Foi nesse ambiente permeado de africanidade que aconteceu a exposição “Acercamientos”, do grupo brasileiro participante da co-lateral da Bienal de Havana. A grande surpresa se deve ao fato do Brasil desfrutar de imensa popularidade junto aos cubanos, o que transformou nossa estadia em algo além de uma exposição, com intercâmbios culturais que até hoje vem dando frutos.
No contexto das artes brasilienses, o projeto teve grande importância, uma vez que nosso grupo foi composto por artistas de diferentes gerações. “Acercamientos” contou com a atuação de oito artistas residentes em Brasilia: Adriana Marques, Clarice Gonçalves, Darlan Rosa, Dulce Shunk, Glenio Lima, Josafa Neves, Tarciso Viriato e Tiago Botelho.
OBRAS DE MINHA AUTORIA
Seres do Mar
O conjunto de desenhos “Seres do Mar” consiste em diversos bustos ocupando o primeiro plano da composição, ladeados por paisagens repletas de elementos simétricos, sugerindo entidades espirituais conectadas aos orixás, como Ogum, Xangô, Obaluaiê, Oxóssi e Iansã. Todos os desenhos foram realizados na beira-mar, em minha ultima visita ao litoral da Bahia, quando decidi levá-los para a exposição cubana, por se tratar de uma série realizada com materiais bastante simples – caneta hidrocor e papel sulfite – o que na época me pareceu adequado ao diálogo com a situação na ilha, castigada injustamente pelo bloqueio econômico imposto pelos Estados Unidos há mais de cinquenta anos.
Falanges
A trama linear deste políptico de nove retratos busca um ponto de fusão entre o gráfico (linha) e o cromático (cor) criando dessa forma trajetórias de cores quentes e frias, intercaladas na fisionomia dos rostos.
Mural na Praça Candelária
Essa pintura mural em uma praça pública de Guanabacoa foi o maior desafio da viagem. A parede, de camadas porosas e rebocos descascados, me impeliu a desconstruir minha linguagem pictórica em uma série de procedimentos superpostos, já que o muro não permitia ser absorvido pelos desenhos, impondo-se como parte principal da composição.
Mural no Museu dos Orishas
O desenho é uma visão panorâmica de Havana visto do outro lado da baía, ou seja, visto de quem vai de barco para Guanabacoa. No centro dessa paisagem três figuras emergem do mar, sendo que as duas figuras laterais soltam uma nuvem de fumaça emoldurando a paisagem, uma referência ao uso do tabaco tão corrente na Ilha, e largamente utilizado aos adeptos da santeria cubana.
A figura frontal representa o próprio adepto santeiro, semi-submerso nas águas. Arrematando a composição, dois beija-flores e dois peixes, símbolos de tradições brasileiras e cubanas. O beija-flor é um dos principais emblemas das linhas ayahuaskeiras originadas a partir do Mestre Irineu na floresta amazônica. E o peixe é o animal sagrado dos Abakua, tradição exclusiva de Cuba. Segundo sua cosmogonia, a tribo recebeu poderes de um peixe mágico, chamado Tanze. Quando o peixe morreu, os membros de sua tribo tentaram em vão reproduzir o som de seu bramido usando o tambor sagrado Ekue.
Visita guiada com estudantes
Além da exposição propriamente dita, realizamos uma oficina educativa com crianças da escola primária de Cuba, por intermédio do projeto VIVA A ARTE VIVA centrado no fomento ao intercâmbio entre artistas de países da América Latina e do Caribe. Ao longo da oficina pudemos dialogar com as crianças, expressar nossas motivações criadoras e promover atividades como o desenho.
Cobertura na imprensa
Nossa exposição foi muito bem recebida pelo público cubano, e também pela imprensa. Saímos no jornal JUVENTUD REBELDE, um dos mais lidos de Cuba, além de uma excelente matéria no canal de tv TELESUR.
Valeu Glênio!
É impossivel escrever sobre Acercamientos sem citar a fundamental presença de Glenio Lima, que além de expor na coletiva, participou do processo curatorial, da produção do nosso catálogo, da preparação do museu para receber nossos trabalhos e da montagem das obras. Sem sua preciosa pró-atividade, esse projeto aventureiro jamais teria saído com a excelência que mereceu.
Articulações Institucionais
Além da cobertura da imprensa, pudemos nos reunir com importantes segmentos culturais de Cuba, através do trabalho de Romildo Gastão, um de nossos articuladores principais, que trabalhou para que o grupo fosse recebido pelo embaixador do Brasil em Havana, pela Casa das Américas, pela OEAC, além de artistas relevantes da produção cubana como Kcho e Fuster.
Foram essas entidades que tiveram envolvimento na exposição Acercamientos:
- Conselho Nacional de Artes Plásticas de Cuba – CNAP
- Centro de Desenvolvimento das Artes Visuais de Cuba – CDAV
- Ministério das Relações Exteriores
- Embaixada de Cuba no Brasil
- Embaixada do Brasil em Cuba
.
Agradecimentos ao Ministério das Relações Exteriores do Brasil, Embaixada de Cuba no Brasil (Leyva) Museu de Guanabacoa (Lourdes, Jose, Tamara, Magalis, Felipe, Davi, Sandra, Irina, Cosette, Pimentel, Alani, Dayalis, Nathalie e todos os demais amigos de Havana e Guanabacoa) Luis e Isabel pela hospedagem-família, e todos os artistas que participaram de Acercamientos: Adriana Marques, Clarice Gonçalves, Dulce Shunk, Glenio Lima, Darlan Rosa, Josafá Neves, Tarcisio Viriato e Wagner Barja(texto).
Agradecimentos especiais a Romildo Gastão e Thaís Mello pela idealização do projeto e articulações institucionais, e um agradecimento especialíssimo a Glenio Lima pela execução, curadoria, fotos e mojitos !